
Violência contra a mulher: é preciso educar os meninos
Por Maria Angélica Ferrasoli
O tema da violência contra a mulher, abordado na redação do Enem, um exame nacional, virou alvo de polêmica nas redes sociais. E o motivo é simples: nem mesmo a educação, ainda que seja aquela considerada de ´bom ´nível, se debruça sobre uma questão tão fundamental na formação de gerações. Quando isso ocorre, como acertadamente se fez no exame, o impacto impulsiona uma reação tristemente previsível.
Em muitas escolas do ensino médio, o que se aprende hoje é o seguinte: meninas não podem usar shorts ou saias curtas, pois estariam ´provocando´ os garotos. Os garotos, por sua vez, têm sinal verde para importuná-las caso não se ´vistam adequadamente´. Ou seja, a culpa, caso algum tipo de assédio venha a ocorrer, é exclusivamente da menina, que não soube se comportar. O tamanho da ignorância num tipo de educação repressiva como essa talvez só possa ser comparado ao dos casos de estupro e outros tipos de violência praticados contra meninas e mulheres.
Não é preciso recorrer às estatísticas para entender que mulheres são muito mais vulneráveis a agressões do que os homens. Eles podem circular tranquilamente sem camisa ou com a cueca em exibição que não serão violentados. E se atacam não é porque têm mais libido do que as mulheres, não. É porque, veladamente, sempre tiveram permissão para isso, uma permissão que se reproduz até mesmo dentro do ambiente escolar.
Recentemente, casos de estupros foram revelados na Universidade de São Paulo, nas turmas de Medicina. Naquela que é considerada a mais importante universidade do País, e num curso igualmente considerado de elite, expôs-se a ponta de uma tragédia que não se mensura por condições sociais ou financeiras, e que, entre 1989 e 2010, resultou no assassinato de mais de 92 mil mulheres no Brasil, 43,7 mil somente na última década. Um balanço da Central de Atendimento à Mulher revelou que, em 2014, do total de 52.957 denúncias, 27.369 corresponderam a denúncias de violência física, com 1.517 casos de violência sexual.
As escolas e seus educadores não podem virar as costas para esses fatos. Não adianta falar sobre igualdade sem perceber que o dia a dia alimenta o desigual. A violência contra meninas e mulheres é só um dos muitos temas que precisam urgentemente entrar na sala de aula, assim como os direitos humanos, o trabalho escravo, o consumismo, a comunicação. E não é só para passar no vestibular, não. É para dignificar – e preservar – a vida.
Maria Angélica Ferrasoli é jornalista, escritora e mestra em Comunicação
Publicado em jornal ABCD Maior e site do Seeb Bancários ABC em outubro de 2015 / http://bancariosabc.org.br/violencia-contra-a-mulher-e-preciso-educar-os-meninos/
Sobre meninas, virgindade e prazer
Maria Angélica Ferrasoli
Tenho o privilégio de ser mãe de uma menina e, mais ainda, de uma menina que desde muito cedo aprendeu que pode se expressar livremente sobre todos os assuntos do mundo em sua casa - afinal, o que é uma casa senão um canto onde estamos protegidos do mundo e podemos falar o que nos dá vontade? Pois bem. Essa liberdade, concedida, é também conquistada a cada dia, porque são tantos e tão complexos os assuntos que essa geração nos traz que não acho justo deixá-los confinados ao espaço de um lar.
Acho estupendo, espetacular mesmo, que hoje as meninas criem grupos para falar a outras sobre relacionamentos (eventuais, intensos, cotidianos) com seus parceiros, com seus pais, com seus amigos. Expõem suas dúvidas, seus micos, denunciam situações abusivas e até violências extremas, como casos de estupro. Falam sobre aborto com a mesma tristeza e angústia que a minha geração (às vezes) falava, mas com a certeza de que serão ouvidas e terão à sua volta uma rede de solidariedade e sororidade.
Essas meninas florescem e brilham, e só quem não presta a mínima atenção deixará de reconhecer que nos engrandecem a cada dia. Porém (e sempre existe algum) me preocupa perceber que sofrem hoje a mesma pressão que minha geração sofreu quando o assunto é virgindade. Uma pressão às avessas, porque para as meninas de agora é importantíssimo perdê-la, enquanto para a minha e principalmente para as anteriores era fundamental preservá-la até (podem rir, garotas!) o casamento. Sim, porque o fim do caminho era sempre o casamento...
Nos dois casos, dois polos opostos, percebo um único debate furado. Não transar jamais ou transar só para não ser mais virgem e ser aceita pelos demais é igualmente ridículo. Hímen deveria poder ser dispensado logo no nascimento, como furar a orelha para colocar brinco em bebê, porque dói menos quando se é pequeno (claro que sem impor, sempre de forma opcional, como são os brincos). Pode parecer chocante, mas não é. Chocante mesmo é fantasiar dizendo para uma jovem que penetração é uma delícia se você não está no jogo erótico, e faz aquilo simplesmente para provar que já é mulher.
As meninas não deveriam se preocupar se no meio de suas pernas tem um hímen intacto ou não. Elas deveriam, isso sim, se preocupar em ter prazer. Não estou falando em dar prazer, mostrando o quanto são poderosas para os garotos: estou falando em conhecer as fontes de seu próprio prazer, tocando e acariciando seu corpo, sabendo o que é bom ou não, indicando e orientando seus parceiros. Leva tempo, então é preciso começar logo. Do contrário, vamos levantar a bandeira da liberdade sexual para quê?
O problema não está em ser ou não virgem, em transar com quem se ama ou acabou de conhecer. O problema está no resultado da transa que, aliás, não pode ser um problema (e aqui o óbvio alerta para todos os cuidados anticoncepcionais e de prevenção a doenças). Porque antes de se perguntar ao outro se foi bom é preciso ter a resposta - sentida e assinada pelo próprio corpo.
Setembro 2019
